Um Western Blot positivo é prova de infecção pelo HIV?

 

 

Eleni Papadopoulos-Eleopoulos (1*); Valendar F. Turner (2) e John Papadimitriou (3).

                                                        (1) Departamento de Física Médica;

                                                        (2) Departamento de Medicina de Emergência, Hospital Real de Perth, Perth, Austrália;

                                                        (3) Departamento de Patologia, Universidade da Austrália Ocidental.

                                                                *  Autor correspondente.

 

 

 

É correntemente aceito que um teste Western Blot  (WB) positivo para anticorpos do HIV seja sinônimo de infecção pelo HIV e do concomitante risco de desenvolvimento de AIDS. Nesta comunicação, apresentamos uma avaliação crítica dos dados atualmente disponíveis sobre o isolamento do HIV, e sobre as testagens para os anticorpos. Esta evidência indica que: (1) os testes para os anticorpos não são padronizados; (2) eles não são reproduzíveis; (3) as proteínas do WB (faixas) que são tidas, como codificadas pelo genoma do HIV e específicas para ele, podem não ser codificadas pelo genoma do HIV e podem, de fato, representar proteínas celulares normais; (4) mesmo se as proteínas forem específicas para o HIV, uma vez que nunca foi usado um padrão fidedigno (gold standart) para determinar a especificidade, um WB positivo pode representar nada mais que reações cruzadas (cross-reactivity) com anticorpos que não pertencem ao HIV presentes em pacientes de AIDS, e naqueles em risco. Concluímos que o uso de testes para anticorpos, como instrumento epidemiológico e de diagnóstico para a infecção pelo HIV, necessita de  reavaliação.

 

 

"... não estamos simplesmente discutindo, para que a minha visão, ou a sua, prevaleça, mas presumo ambos estarmos lutando pela verdade..."

(Apud PLATÃO, Filebo)

 

 

Até o momento, os únicos métodos rotineiramente utilizados para a demonstração da presença do HIV in vivo são o ELISA (enzymelinked immunosorbent assay) e os testes de anticorpos Western Blot (WB). No ELISA, as proteínas estão presentes em mistura, e, para o WB, as proteínas do HIV são dissociadas e postas numa prancha de gel de poliacrilamida. Em seguida à eletroforese, são transferidas para uma membrana de nitrocelulose por eletrocromia (eletroblotting). Em ambos ELISA e WB, o soro do paciente é adicionado à preparação de antígeno. Assume-se que, se os anticorpos do HIV estiverem presentes, reagirão com as proteínas do HIV que, após lavagem, são visualizadas por uma reação de cromógeno de globulina anti-humana de enzima (enzyme anti-human-immunoglobulin chromogen reaction). No ELISA, a reação é lida opticamente. Para o WB, proteínas individuais são reconhecidas e interpretadas visualmente como faixas coloridas, cada uma das quais designada por um minúsculo "p" (de proteína), seguida por um número (que é o peso molecular em klilodaltons), por exemplo, p41. O WB é creditado como altamente sensível e específico, e um resultado positivo é encarado como sinônimo de infecção pelo HIV. O status de soropositivo para o HIV acarreta implicações tão profundas, que a ninguém deve ser exigido que carregue este fardo sem sólidas garantias sobre a veracidade do teste e de sua interpretação. Neste artigo, apreciam-se a evolução dos testes para anticorpos, a base de sua especificidade, e o valor de sua interpretação.

 

A aceitação de um teste para anticorpos do HIV, como cientificamente válido e confiável, exige o seguinte: (1) uma fonte de antígenos específicos do HIV; (2) padronização; (3) determinação da reprodutibilidade do teste. Uma vez que estes critérios tenham sido encontrados, antes de introduzir os testes de anticorpos na medicina clínica, a sensibilidade, a especificidade e os valores predictivos devem ser determinados pelo uso de um padrão fidedigno (gold standart), o próprio HIV. 

 

 

Proteínas consideradas antígenos do HIV

 

As proteínas consideradas representantes de antígenos do HIV são obtidas de culturas de células estimuladas mitogeneticamente onde tecidos de pacientes de AIDS são cocultivados com células derivadas de pacientes de outras doenças que não da AIDS - usualmente, linhagens estabelecidas de células leucêmicas. Seguindo a detecção da enzima de transcriptase reversa (TR) nas culturas, o material flutuante (supernatant), e, mais frequentemente, fragmentos celulares (cell lisates) são centrifugados em declive de densidade. O material que se aglomera a 1,16 gm/ml é considerado representar o "HIV puro", e, consequentemente, as proteínas encontradas nesta densidade são consideradas antígenos do HIV. Considera-se que as proteínas imunogênicas do HIV sejam codificadas por 3 genes, a saber, gag, pol e env. O gene gag codifica a precursora p53/55, que é então unida à p24/25 e à p17/18. O gene pol codifica a p31/32, e o gene env codifica a proteína precursora p160, que se une à p120 e à p41/45 (1)[1].

 

A proteína p120: é geralmente aceita a visão de que a p120 e a p41 sejam produtos de ligação da p160, que é encontrada apenas em células infectadas, mas não no vírus. Contudo a p120 é componente exclusiva das espículas na superfície das partículas do HIV; as espículas foram descobertas apenas nas partículas emergentes (imaturas), e não nas partículas independentes das células (maduras); e as partículas imaturas são "muito raramente observadas" (2). Apesar destas descobertas, quando o "HIV purificado" é testado contra soros de AIDS, fortes faixas correspondentes à p120 e à p160 se desenvolvem. A solução para estas contradições foi descoberta, quando demonstrou-se que a p80 (vide infra) e "as componentes visualizadas na região entre 120 a 160kDa não correspondem à gp120, ou à sua precursora, mas representam, sim, oligômeros da gp41" (3).

 

A proteína p41: esta é uma das proteínas detectadas por ambas as equipes de Gallo e Montaigner nos primeiros isolamentos do HIV. Contudo Montaigner e seus colegas observaram que os soros de AIDS reagiam com a proteína p41, tanto em células infectadas pelo HIV e o HTLV-I, como em não infectadas, e concluíram que a faixa p41 "pode ser devida à contaminação do vírus por actina celular que estava presente em imunoprecipitações de todos os extratos celulares" (4). Embora a equipe de Gallo não tenha encontrado tal reação com a p41 em células não infectadas, realmente encontraram a proteína p80 e concluíram que a reação era "não específica" (5).

 

Actina é uma proteína ubíqua, encontrada em todas as células, assim como em bactérias e diversos vírus. Demonstrou-se que retrovírus bem estudados, tais como o do tumor de mama de rato e o do sarcoma de Rous, contêm actina de origem celular, e postulou-se que esta proteína desempenha papel fundamental na congregação (assembly) e emergência (budding) retrovirais (6,7). Também é sabido que a oxigenação dos grupos sulfídricos celulares, como no caso dos pacientes de AIDS (8), correlaciona-se com a congregação de actina polimerizada (9), e que o nível de anticorpos de actina ligados às células é determinado pelo estado fisiológico destas. Por esta razão, anticorpos de actina ligados às células foram tomados por "indicadores sensíveis para linfócitos ativados" (10).

 

Plaquetas de indivíduos sadios também contêm a proteína p41/45 que reage com soro de homens homossexuais  com AIDS e púrpura trombocitopênica imune (PTI) e que "representa uma ligação não específica do IgG de actina em preparação de plaquetas" (11).

 

A proteína p32: em 1 987, Henderson isolou a p31-32 e a p34-36 de "HIV purificado por dupla sedimentação" em declive de densidade de sucrose. Por comparação das sequências de aminoácidos destas proteínas com as proteínas DR de histocompatibilidade de classe II (Class II histocompatibility DR proteins), concluíram que "as cadeias DR alfa e beta mostram-se idênticas às proteínas p34-36 e p30-32 respectivamente" (12).

 

A proteína p24/25: a detecção de p24 é correntemente creditada como sinônimo de isolamento do HIV e de viremia. Contudo, fora numa publicação a quatro mãos com Montaigner onde declaram que a p24 do HIV é única, Gallo e seus colegas afirmaram repetidamente que as p24 do HTLV-I e do HIV entram imunologicamente em reação cruzada (13).

 

Genesca et alii aplicaram testes WB em 100 amostras negativas para ELISA de doadores sadios de sangue; demonstrou-se que 20 deles apresentavam faixas do HIV que não preenchiam os critérios de então (1 989) usados pelos bancos de sangue para um WB positivo. Foram considerados indeterminados para WB (IWB), sendo a faixa p24 a predominante (70% dos casos). Entre os recipientes de sangue IWB, 36% tornaram-se indeterminados para WB seis meses depois da transfusão, mas também tornaram-se indeterminados 42% dos recipientes de sangue de amostras negativas para WB.  Concluíram que os padrões de indeterminação para WB "são excessivamente comuns em doadores e recipientes selecionados ao acaso, e tais padrões não se correlacionam com a presença do HIV-I ou da transmissão deste", "a maior parte das reações representam resultados falsamente positivos" (14).

 

Anticorpos para a p24 foram detectados em 1 de 150 indivíduos sadios, em 13% de pacientes de outra forma sadios selecionados ao acaso com generalizacão de verrugas, em 24% de pacientes com linfoma cutâneo da célula T e com pródromes, e em 41% de pacientes com esclerose múltipla (15).

 

97% dos soros de pacientes homossexuais com PTI e 94% dos soros de homossexuais com linfodenopatia ou AIDS contêm um anticorpo que reage com o antígeno de membrana de 25KD encontrado em plaquetas de doadores sadios e de pacientes de AIDS, assim como com um antígeno de 25KD encontrado em células renais do macaco verde, em fibroblastos epiteliais humanos, e em culturas de herpes simples com células renais de macaco. Esta reação esteve ausente em soros de pacientes não homossexuais com PTI, ou com púrpura trombocitopênica não imune (11). Por outro lado, o antígeno da p24 não é encontrado em todos os soropositivos para o HIV, nem mesmo em todos os pacientes de AIDS. A p24 foi detectada em 24% dos pacientes, e o RNA do HIV, em 50% (16). Em outro estudo, "na metade dos casos de indivíduos que tinham teste positivo para a p24, eles vieram a manifestar um teste negativo posteriormente, sem a administração de qualquer medicação que pudesse afetar os níveis da p24...o teste é clinicamente errático e deve ser interpretado muito cautelosamente" (17).

 

A proteína 17/18: em adição à faixa p24, a p17/18 é a faixa mais frequentemente detectada pelo WB de doadores sadios de sangue (18). Soros de pacientes de AIDS ligam-se à proteína p18 em células T infectadas pelo HIV e estimuladas mitogeneticamente, mas não aos linfócitos nem estimulados, nem infectados. Contudo, quando os linfócitos são estimulados mitogeneticamente, mas não infectados, os soros de AIDS ligam-se à proteína p18 nestes linfócitos não infectados (19).

 

Um anticorpo monoclonal (AcM) para a p18 do HIV reage com células dendríticas em tecidos linfáticos de uma variedade de pacientes com um número de doenças não relacionadas com a AIDS (20), e o "mesmo padrão de reatividade esteve presente em tecidos normais retirados de indivíduos não infectados, assim como naqueles retirados de sujeitos soropositivos para o HIV" (21). Os pacientes de AIDS e aqueles em risco têm altos níveis de anticorpos para uma proteína ubíqua - miosina (22), que possui duas subunidades de pesos moleculares 18 000 e 25 000.

 

Em vista do exposto acima, torna-se difícil defender o ponto de vista de que as faixas p41 (e assim a p160 e a p120), p32, p24 ou p18 representem proteínas específicas do HIV. Além do mais, mesmo que se demonstrasse que todas essas proteínas são específicas, não se pode assumir que os anticorpos que reagem com elas sejam diagnóstico de infecção pelo HIV.

 

 

Padronização dos testes para anticorpos do HIV

 

Um teste de anticorpos torna-se pleno de significado, apenas quando for padronizado, isto é, quando o resultado de um teste dado tiver o mesmo significado em todos os pacientes, em todos os laboratórios, em todos os países. Desde as primeiras reações de antígenos com anticorpos realizadas pelas equipes de Montaigner (4) e de Gallo (23) (Figuras 1 e 2), descobriu-se que nem todas as "proteínas do HIV" reagiam com todos os soros de pacientes de AIDS, ou mesmo com o soro obtido dos mesmos pacientes em épocas diferentes, e que os soros dos pacientes de AIDS podiam reagir com proteínas diferentes daquelas consideradas antígenos do HIV. Em vista destas reações variáveis, uma exigência essencial era estabelecer critérios sobre o que constituiria um WB positivo.

 

Em 1 987, a FDA (Food and Drug Administration) licenciou um kit de WB fabricado pela DuPont. Este permanece o único licenciado e é usado por uma minoria de laboratórios. Ele especifica critérios "extremamente severos" para um resultado positivo, a saber, "faixas específicas representantes de produtos de 3 genes diferentes: p24 (gag), p31 (pol), e a faixa env, tanto a gp41, a gp120, quanto a gp160" (24). 

 

A Cruz Vermelha Americana define um resultado positivo com a presença de anticorpos para, no mínimo, um produto genético de cada um dos genes gag, pol e env, sem especificar quais faixas. 

 

A Associação de Diretores Laboratoriais de Saúde Pública Territorial e do Estado, do Departamento de Defesa e do CDC (Center for Diseases Control), considera um WB positivo, se 2 faixas, além de p24, gp41 e gp120/160, forem reativas.

 

O Consórcio para Padronização Sorológica Retroviral (CRSS) define um WB positivo com  a presença de anticorpos para, no mínimo, p24 ou p31/32, e gp41, ou gp120/160 (25).

 

Para todos os laboratórios, um resultado negativo requer a ausência de todas e quaisquer faixas, incluindo aquelas que não representem "proteínas do HIV". Todos os outros padrões que não satisfazem os critérios de um laboratório dado para um teste positivo ou negativo são considerados indeterminados (IWB) para este laboratório. Assim, na literatura científica, não foram publicadas tiras de um WB positivo padrão. Por exemplo, num manual de instruções de 1 984 de um fabricante de kits de WB, Bio-Rad, que reproduz "Exemplos de uma amostra de soro tipicamente reagente de um paciente e a reação com controles forte, fraco e não reativo", também afirma-se "Este exemplo demonstra padrões reativos típicos apenas e não deve ser usado como referência para comparações de resultados com amostras sorológicas desconhecidas...As amostras dos pacientes podem demonstrar diferentes graus de reatividade com diferentes proteínas, demonstrando assim  diferentes padrões de desenvolvimento de faixas...Cada laboratório que realiza o teste WB deve desenvolver seus próprios critérios para interpretação das faixas. Em casos alternativos, a interpretação das faixas deve ser delegada ao clínico". Em adição a estes problemas óbvios com a  falta de padronização, todas as interpretações acima possuem outras dificuldades.

 

Quando os critérios do FDA são usados para interpretar o WB, menos de 50% dos pacientes de AIDS têm um resultado positivo. Se os critérios do CRSS são utilizados, a percentagem de pacientes de AIDS soropositivos aumenta para 79%. O mais notável de tudo isto é que, quando os critérios mais rígidos são utilizados, 10% das amostras de controle, que incluem "espécimens de centros de doação de sangue", têm um WB positivo (25). Conforme já mencionado, Henderson e seus colegas demonstraram que a p31/32 não é uma proteína do HIV. Pinter e seus colegas demonstraram que a p120 e a p160 são oligômeros da gp41. Também demonstraram que o padrão de WB  obtido depende de muitos fatores, que incluem temperatura e concentração do sulfato dodecil de sódio usado para romper o "vírus puro", e concluíram: "A confusão sobre a identificação destas faixas resultou em conclusões incorretas de estudos experimentais. Da mesma forma, alguns espécimens clínicos podem ter sido identificados erroneamente como soropositivos, baseados sobre a presunção de que essas faixas refletiriam reatividade específica contra 2 componentes virais distintos e preencheriam um critério para positividade verdadeira ou provável. A identificação correta dessas faixas afetará os padrões a serem estabelecidos para a positividade do WB: isto pode exigir a reinterpretação dos resultados publicados" (26). 

 

A descoberta de que a p31/32 representa proteína celular, e de que a p120 e p160 são oligômeros da p41, reduz os critérios do CRSS e os da Cruz Vermelha Americana a 2 faixas, p24 e p41, que, de acordo com Burke, são "menos que perfeitamente específicas" (27), e reduz os critérios da Associação de Diretores Laboratoriais de Saúde Pública Territorial e do Estado, do Departamento de Defesa e do CDC, à p24 e p41 , ou apenas  à p41.

 

Apesar da evidência acima, mesmo agora, as faixas p160, p120 e a p41, são consideradas representantes de distintas glicoproteínas do envelope viral. De fato, a orientação corrente do OMS (Organização Mundial de Saúde) considera um soro positivo para os anticorpos do HIV-I, se "duas faixas de glicoproteínas do envelope (com ou sem) outras faixas específicas virais estiverem presentes na tira" (28). 

 

Até o momento, a AIDS na África é definida em bases clínicas. Recentemente, o CDC recomendou a futura inclusão de evidência sorológica para infecção pelo HIV na definição africana da AIDS. O teste recomendado é o ELISA (29), que não pode ser considerado específico. Na Rússia, em 1 990, entre 20 000 testes seletivos e positivos, "apenas 112 foram confirmados", fazendo uso do WB como padrão fidedigno. Em 1 991, de aproximadamente 30 000 testes de seleção positivos, apenas 66 foram confirmados (30). Nas definições da AIDS na América Latina e Caribe, as "descobertas clínicas de infecção pelo HIV" são confirmadas "por testagem para anticorpos, fazendo uso do ELISA, métodos de imunofluorescência e de WB". Não são dados critérios para a interpretação deste último (31).

 

Reprodutibilidade

 

Os problemas associados com a reprodutibilidade podem ser melhor ilustrados com dois exemplos. A figura 3 apresenta tiras de WB de uma amostra de soro de uma paciente com AIDS testado por 19 laboratórios que participaram da segunda Conferência do Consórcio para a Padronização de Sorologia Retroviral (CRSS) sobre a padronização do teste WB (25). Como pode ser visto, o padrão de faixa obtido por um e o mesmo soro varia de um laboratório para o outro, apesar de todos o terem considerado positivo. O Grupo de Estudo sobre a Segurança na Transfusão (EST), nos EUA, submeteu aproximadamente 100 amostras de pacientes para testagem de WB semanal, em três laboratórios de referência, durante períodos separados de diversos meses. Com 100 amostras de pacientes, submeteram alíquotas de 4 plasmas para qualidade de controle (QC), 2 positivos e 2 negativos. Positividade ou negatividade para o HIV "baseava-se sobre a experimentação coletiva de cada plasma, fazendo uso de: (1) sistemas licenciados de EIA de 5 fabricantes, (2) um teste de imunofluorescência, (3) IB em 4 laboratórios de referência, (4) um teste de radioimuneprecipitação num laboratório adicional" (EIA=ELISA, IB=WB). As amostras foram então enviadas aos laboratórios de referência que estavam cientes sobre a testagem de controle de qualidade, mas "os rótulos e os códigos não permitiam a identificação das amostras do controle de qualidade, nem a conexão delas com as outras anteriores de CQ". A amostra CQ1#(+) foi submetida 40 vezes ao laboratório A, 5 vezes ao laboratório B, e 45 vezes ao laboratório C. O primeiro listou o seguinte padrão de faixas: p24, p32 e gp41/120: 7 vezes; p24, gp41/120: 28 vezes; apenas p24: 5 vezes. O segundo listou: p24, p32, gp41/120: 4 vezes; p32, gp41/120: uma ocasião. O terceiro listou: p24, p32, gp41/120: 26 vezes; p24, gp42/120: 10 vezes; p24, p32: 2 vezes; apenas p24: 5 vezes; "outras": uma vez; ausência de faixas: uma vez.

 

A amostra CQ#2(+) foi enviada num total de 89 vezes a 3 laboratórios, que listaram o seguinte: p24, p32, gp41/120: 64 vezes; p24, gp41/120: 19 vezes; p24, p32: uma vez; p32, gp41/120: 4 vezes; ausência de faixas: uma vez.

 

Um total de 101 alíquotas de duas amostras negativas do controle de qualidade  CQ#3(-) e CQ#4(-) foram enviadas aos 3 laboratórios. Estes listaram: ausência de faixas: 67 vezes; apenas gp41: uma vez; apenas p24: 18 vezes; p24, p32, gp41/120: 2 vezes.

 

Um painel especial de amostras de CQ foi enviado aos laboratórios B, C e a um adicional D. O painel consistia de 3 alíquotas de cada uma das 8 amostras, incluindo os lotes CQ#1(+), CQ#2(+), CQ#3(-) e CQ#4(-). Na discussão dos resultados posteriores, os autores afirmaram: "Apenas as listagens do laboratório C com o painel eram consistentes com os dados acumulados, a partir de toda avaliação da reatividade... O laboratório B listou as 3 alíquotas de CQ#1(+) como respectivamente positiva, com base em 3 faixas (gp41, p55 e p65), indeterminada, com base em uma única faixa (gp41), e negativa (ausência de faixas). Em adição, todas as 3 alíquotas de CQ#6(-) foram consideradas indeterminadas, pois apenas uma única faixa (gp41) foi vista. O laboratório D listou uma alíquota de CQ#6(-) como positiva (p15, p24, p32, p41, p65), e as outras 2 alíquotas como negativas (ausência de faixas). Também listou uma faixa (p55) para as 3 alíquotas de CQ#3(-)" (32).

 

Considerando os resultados detalhados acima, deve-se ter em vista que eles ocorreram em laboratórios de referência, isto é, naqueles de primeira classe que compõem apenas um pequeno número do total de laboratórios que aplicam o teste WB nos EUA. Em adição a isto, muitos deles continuam a usar kits não licenciados devido aos custos e aos "critérios rigorosos exigidos para a interpretação do teste licenciado" (33).

 

      

Especificidade dos testes de anticorpos do HIV

 

A tarefa de legitimar um novo teste de diagnóstico em clínica médica exige um método alternativo e independente para o estabelecimento da presença da condição, para  a qual o teste é empregado. Este método, frequentemente aludido como padrão fidedigno (gold standart), é um crucial sine qua non,  e representa o alicerce sobre o qual repousa a prova de validade científica. O único padrão fidedigno para os testes de anticorpos do HIV é o próprio vírus de imunodeficiência humana. A síndrome clínica e a queda nas contagens de células T4 não podem ser considerados um padrão fidedigno. Ainda que o HIV nunca tenha sido usado como padrão fidedigno, há um consenso geral de que a prova de especificidade dos testes de anticorpos do HIV esteja firmemente estabelecida. No caso do ELISA, os melhores números de Gallo, obtidos de pacientes de AIDS e de 297 doadores sadios de sangue, eram de 97,7% de sensibilidade e de 92,6% de especificidade, tendo assumido os casos de testes limítrofes como positivos, e usando a síndrome clínica como padrão fidedigno (34).

 

Burke e seus colegas do Instituto Militar Walter Reed nos EUA são reconhecidos como os que mais completamente pesquisaram o problema de definição da especificidade do anticorpo do HIV numa ampla população,  e seus dados são  largamente creditados, por representar o atual estado em que se encontra o assunto (35). Burke et alii (36) testaram uma subpopulação altamente selecionada e sadia de 135 187 indivíduos, escolhidos por uma generalidade muito baixa de infecção pelo HIV - 1/10 de um universo muito maior de testandos (1,2 milhão), para o serviço militar norte-americano. Todos os testandos foram selecionados com um ELISA inicial, e todos os testes reativos deste tipo foram repetidos. Um WB inicial era então realizado, e, se este se manifestasse diagnóstico ou reativo, um segundo WB era feito sobre nova amostra fresca de sangue. Inicialmente, os critérios para um WB diagnóstico e positivo eram a "presença de uma faixa ao nível de 41kD, uma combinação das faixas 24 e 55kD, ou ambas. Tendo começado em maio de 1 987, o método de preparação das tiras com as manchas foi modificado de tal forma, que os anticorpos para as gp120 e gp160 pudessem ser detectados reproduzivelmente, e os critérios para um padrão de mancha diagnóstico e reativo foram substituídos pelo da Associação de Diretores de Laboratório de Saúde Pública Territorial e do Estado". Um WB positivo era diagnosticado, se, e somente se, a primeira e a segunda amostras de sangue fossem diagnósticas para WB. Todas as amostras de WB diagnósticas eram, então, testadas com outros quatro testes de anticorpos. Um WB era considerado "verdadeiramente positivo, se todos os quatro testes de todas as amostras de soro  disponíveis de um testando fossem reativas e diagnósticas", mas era considerado "falso positivo, se  todos os quatro testes sobre todas as amostras disponíveis de soro de um testando fossem não reativos, não diagnósticos, ou ambos".     De   135 187 testandos, havia 16 testes positivos. Em um deles, o soro não estava disponível para testagem ulterior, e um testando recusou-se a fornecer uma segunda amostra. O soro de 27 das 29 amostras de 15 testandos considerados positivos foi testado por mais quatro outros testes de anticorpos. Quatorze amostras mostraram resultado positivo por todos os testes, e todos os quatro foram negativos para um testando. A partir disto, Burke e seus associados calcularam a taxa de falsos positivos  como 1 em 135 187, ou 0,0007%.

 

Também especularam sobre as implicações que estes dados poderiam provocar para a população inteira de 1,2 milhão de testandos. Calcularam o alcance geral de 1,48       por 1 000 no contingente inteiro como equivalente a 200 por 135 187. Ao assumir que a taxa de falsos positivos seria a mesma para toda a população, estimaram que, uma vez que houvesse 200 testes verdadeiramente positivos por 135 187 indivíduos dos quais apenas 1 fosse falso, então, "o valor predictivo de uma diagnose positiva neste programa é de 95,5%", com "uma especificidade de 99,9993% em bruto (roughly)" (35, 36). Muito deste raciocínio está aberto à crítica: (1) Não há padrão fidedigno para a definição de infecção pelo HIV. Um resultado positivo de WB nos 15 testandos restantes contra quatro outros testes de anticorpos não sustenta o estabelecimento independente de infecção "verdadeira" pelo HIV, como querem que os próprios testes o sejam. (2) Definem testes verdadeiramente positivos, como amostras que, repetidamente, fornecem resultados positivos em quatro testes similares, e os testes falsos positivos como amostras que, repetidamente, fornecem resultado negativo em quatro testes similares. O número de amostras testadas e de repetições é arbitrário. Seria impossível dizer o que resultaria, se, por exemplo, os testes ELISA fossem repetidos três, ao invés de duas vezes, ou se as amostras que forneceram resultado negativo no primeiro ELISA fossem retestadas novamente com outro ELISA, ou WB.  Há notícias bem documentadas de casos nos quais o ELISA é negativo, e o WB, positivo (37). Além disto, definem a taxa de falsos positivos como o número de resultados falsamente positivos dividido pelo número de amostras testadas. Estas definições não suportam confronto com aquelas descritas em textos-padrão (standart texts) (38). As definições corretas são: um verdadeiro positivo é um teste positivo que ocorre num indivíduo que esteja infectado pelo HIV, segundo definição por padrão fidedigno independente; um falso positivo é um teste positivo que ocorre em indivíduo que, por aplicação do padrão fidedigno, não esteja infectado pelo HIV, (mas pode não estar necessariamente sadio), e a taxa de falsos positivos é o número de testes falsamente positivos como fração de todos os testes positivos, tanto verdadeiros, quanto falsos.

 

Além disto, as premissas de Burke et alii são bastante opostas àquelas de Gallo et alii, onde todos os resultados de testes positivos de indivíduos sadios são encarados como falsos positivos. Com base nas premissas de Gallo e seus associados, devemos encarar todos os 16 casos como falsos positivos, uma vez que não há razão, para vermos candidatos sadios ao serviço militar como significativamente diferentes de doadores sadios de sangue. Mais, a extrapolação para toda a população de 1,2 milhão de candidatos é inválida. Ela só poderia ser feita, se os 135 187 candidatos fossem selecionados casualmente dentre todo o contingente, coisa que não o foram. Somando-se a isto, a declarada figura de valor predictivo positivo de 99,5% não pode ser inferida, sem o conhecimento da sensibilidade do teste de WB, nem do alcance verdadeiro da infecção pelo HIV (38), ainda que a especificidade e a extrapolação fossem corretas.

 

Finalmente, é impossível definir especificidade, sensibilidade e valor predictivo com o algoritmo usado por Burke e seus associados. O melhor que podem fazer com seu algoritmo é determinar a reprodutibilidade do ELISA e do WB. Sob este ponto de vista, no estudo mais amplo de 1,2 milhão de candidatos sadios ao serviço militar, aproximadamente 1% de todos os ELISAs iniciais foram positivos, dos quais 50% foram consecutivamente negativos: 30-40% do primeiro WB  foram positivos, e 96% do segundo WB também o foram. Em outras palavras, o estudo mais amplo de Burke revela 6 000 indivíduos com um ELISA inicialmente positivo, mas consecutivamente negativo, 4 000 indivíduos com 2 ELISAs positivos seguidos de 1 WB negativo, e 80 indivíduos com 2 ELISAs positivos, 1 WB inicialmente positivo com uma repetição negativa deste último.

 

Isto não pode ser encarado como problema trivial, uma vez que vários milhares de indivíduos sadios têm anticorpos que reagem com "proteínas do HIV", mas que não são, em última instância, considerados infectados pelo HIV. Mesmo nos melhores laboratórios, 80 dos testandos sadios de Burke seriam diagnosticados como infectados pelo HIV , uma vez que, neles, apenas um WB é realizado.

 

O problema torna-se ainda mais sério, quando tem-se em vista que, por volta de setembro de 1 987 (época na qual, com base nos testes de anticorpos, uma relação causal entre o HIV e a AIDS era geralmente aceita), um único ELISA, ou WB positivo, uma faixa (tanto a p24, quanto a p41), era suficiente, para a confirmação de infecção pelo HIV. Agora, a opinião geral é de que os testes de ELISA têm "sensitividade e especificidade acima de 98%, muitos se aproximam de 100%" (24),  e a definição de AIDS pelo CDC "aceita um teste seletivo reativo para os anticorpos do HIV sem a confirmação por um teste complementar, pois o resultado de um teste seletivo repetidamente reativo, em combinação com algum indicador de doença, é altamente indicativo de doença verdadeira causada pelo HIV" (39) (teste seletivo= ELISA).

 

Burke et alii, assim como Gallo et alii, determinaram especificidade sem referência a indivíduos doentes. A definição de especificidade exige que o teste seja verificado em pessoas que não tenham a doença sob pesquisa, incluindo indivíduos doentes portadores de outras doenças cujos anticorpos possam interagir com antígenos do HIV, e que possam ser produzidos por outras razões.  A especificidade dos testes para anticorpos do HIV deve ser determinada pela testagem de indivíduos que estejam imunossuprimidos e/ou que tenham sintomas e sinais clínicos similares aos da AIDS, mas que não sejam considerados pacientes de AIDS, nem portadores da infecção pelo HIV. Este ponto é bem ilustrado pelos testes sorológicos para sífilis. Uma pessoa sadia que não esteja infectada com Treponema pallidum muito raramente teria um resultado positivo (falso positivo). Contudo vários autores constatam, em várias desordens não relacionadas, a ocorrência de testes falsos positivos biológicos para a sífilis (TFPBS), que podem ocorrer em pacientes com anemia hemolítica autoimune, lupus eritematoso sistêmico (LES), púrpura trombocitopênica idiopática, lepra e em viciados em drogas.  Mais de 20% destes testam positivamente e têm alta incidência de TFPBS (40). Indivíduos com TFPBS também foram demonstrados como "portadores com alta frequência de outras anormalidades sorológicas, incluindo fatores antinucleares, autoanticorpos, e alterações da gamaglobulina". Isto levou os pesquisadores a concluírem que "uma reação biológica falsamente positiva (BFP) frequentemente é um indicador para desordem não identificada do sistema imune que predispõe a doenças autoimunes" (40). É significativo que uma alta proporção (14%) dos pacientes de AIDS também tenham sido demonstrados, como portadores de resultados falsamente positivos para sorologia da sífilis (41).

 

Pelo menos dois grupos de pesquisadores levantaram a possibilidade de que o teste de anticorpos para o HIV em africanos e em usuários de drogas injetáveis possa ser uma reação BFP. Jaffe et alii (42) testaram 1 129 amostras de soro de usuários de droga intravenosa, e 89 controles de não usuários. Todas as amostras foram colhidas entre       1 971 e 1 972 e testadas com dois ELISAs comerciais e um WB. Dezessete das amostras de usuários intravenosos, mas nenhuma dos controles, foram positivas. Concluíram: "Com base nos dados de nosso WB positivo, mostra-se-nos que usuários de droga por via parenteral podem ter sido expostos ao HTLV-III, ou a algum vírus relacionado, por volta, no mínimo, de 1 971. Uma explicação alternativa, mas igualmente viável,  é que a soropositividade para o HTLV-III detectada nestas amostras representa resultados falsamente positivos, ou reações não específicas".  Biggar e seus colegas (43) descobriram que, em africanos sadios, a probabilidade de resultado positivo no teste de anticorpos para o HIV aumentava significativamente, à medida que elevavam-se os níveis do complexo imune (immune-complex levels). Concluíram que "a reatividade, tanto na análise pelo ELISA, quanto pelo WB, pode ser não específica em africanos...a causa da não especificidade necessita de esclarecimento, de forma a determinar, como ela pode afetar a soroepidemiologia dos retrovírus em outras partes além da África, tais como Caribe e Japão".

 

Que um WB positivo possa representar uma reação BFP em todos os indivíduos é sugerida pela evidência, tanto da retrovirologia em geral, quanto da testagem para os anticorpos do HIV em particular. É sabido que todos os anticorpos, incluindo os AcMs, são capazes de reação com antígenos imunizantes, assim como com outros auto- e não autocomponentes (self and non-self components)(44, 45).  Em relação aos retrovírus, a literatura científica abunda com dados que demonstram a presença em larga escala de interações não específicas entre antígenos retrovirais e anticorpos não relacionados. Muito deste trabalho surgiu, como resultado da pesquisa sobre a origem viral dos neoplasmas animais e humanos (46-51). 

 

Em viciados em drogas, há uma forte associação entre altos níveis de globulina do soro e o teste positivo para anticorpos do HIV, e isto era "a única variável que se manteve significativa num modelo de regressão logística" (52). Em crianças, fazendo uso do WB como padrão fidedigno, a hiperglobulinemia identificou crianças infectadas com o HIV  com especificidade de 97% (53).  Sessenta e três soros obtidos de 23 pacientes antes e imediatamente depois da infusão de imunoglobulina foram testados para os anticorpos do HIV  pelo WB. Dos 63 soros, 52 (=83%) foram positivos. "Diversas amostras testadas  num teste radioimune (radioimmuneassay) da p24 do HTLV-III foram também positivas. A quantidade de anticorpos detectada  era a maior imediatamente depois das infusões e decrescia entre elas" (54). A um indivíduo foram ministradas injeções de 5ml  de soro doado com fator Rh+, a intervalos de 4 dias entre elas.  "Demonstrou-se que o soro do doador era negativo para ELISA de antígenos e anticorpos do HIV, de forma que o sangue era retirado de sua esposa e filho". "O sangue retirado depois da primeira imunização estava negativo no ELISA para anticorpos do HIV e no WB. Depois da segunda imunização, um sinal fraco no ELISA, levemente acima do nível de corte (cut-off level) foi monitorado. Depois da terceira imunização, o sinal estava forte, e o WB demonstrou intensa interação com as proteínas p17 e  p55. Um sinal ainda mais forte foi monitorado depois da quinta imunização. Interação com as p17, p31, gp41, p55 e algumas outras proteínas eram evidentes" (55).

 

Uma vez que os indivíduos dos principais grupos de risco de AIDS, isto é, homossexuais masculinos, viciados em drogas e hemofílicos, são expostos a muitas substâncias estranhas tais como sêmen, drogas, fator VIII, sangue e componentes sanguíneos; e ainda que os indivíduos que pertençam aos grupos acima normalmente desenvolvem infecções não relacionadas ao HIV; seria de se esperar   que eles manifestassem altos níveis de anticorpos direcionados contra outros antígenos diferentes dos do HIV. De fato, indivíduos com AIDS, o complexo relacionado à doença (CRD), e  aqueles em risco, têm complexos imunes em circulação, fator reumatóide, anticardiolipina, fator antinuclear, anticorpos, tais como anticelular, antiplaqueta,  anti-hemácias, anti-actina, anti-DNA, antitubulina, antitiroglobulina, anti-albumina, antimiosina, antitrinitrofenil e antitimosina (22, 56). Autoanticorpos de antilinfócitos foram encontrados em 87% dos pacientes soropositivos para o HIV, e seus níveis se correlacionam com o status clínico (57, 58). Diferentemente dos soros normais, 37% dos soros soropositivos para o HIV também foram positivos para retrovírus do tipo D (59), ao passo que o HIV é considerado um lentivírus.

 

Também sabe-se que os níveis sorológicos IgG são mais altos em doadores de sangue afro-americanos do que em caucasianos (60), que alguns grupos de risco, usuários de drogas e homossexuais masculinos, são expostos a altos níveis de agentes mitogênicos, sêmen e nitritos (61, 62), e que animais tratados com tais agentes desenvolvem anticorpos que reagem com antígenos retrovirais (63). Que um teste positivo para anticorpos do HIV possa ser resultado de estimulação antigênica, outra que não do HIV, é baseado nos seguintes dados: (1) concebe-se que o HIV seja transmitido por agulhas infectadas, uma percentagem ainda maior de prostitutas que usam drogas por via oral (84%), do que por via intravenosa (46%), têm resultado positivo nas testagens (64); (2) "Camundongos de linhagens autoimnunes MRL-1pr/1pr e MRL-+/+ fizeram anticorpos contra a gp120". Demonstrou-se que camundongos que haviam sido expostos aos linfócitos T de outra linhagem destes animais desenvolveram anticorpos contra a gp120 e a p24 do HIV (65); (3) recipientes de sangue negativo soroconvertem-se e desenvolvem AIDS, enquanto os doadores permanecem sãos e soronegativos (66); (4) em indivíduos sadios, partners de indivíduos soropositivos para o HIV, recipientes de transplante de órgãos e pacientes de lupus eritematoso sistêmico (LES), um teste WB positivo pode reverter a negativo, quando ocorrem exposição a sêmen, terapia imunossupressiva ou melhora clínica (67-69); (5) enquanto a frequência de testes positivos para anticorpos do HIV em doadores sadios de sangue e candidatos ao serviço militar é baixa, pacientes com tuberculose, incluindo aqueles com a doença localizada nos pulmões, tanto nos EUA (70) como na África (71), têm alta frequência, de até 50%, de WBs positivos. Nos EUA (72) (26 hospitais estudados), pacientes que não estavam em risco de desenvolver a doença, e que não sofriam de nenhuma doença infecciosa, apresentavam altas taxas de resultados positivos para o WB (1,3% a 7,8%). Os dados acima podem ser interpretados, tanto como prova de que o HIV esteja em espraiamento pela população heterossexual, quanto de que os testes para anticorpos do HIV não são específicos. Sugere-se que este seja o caso  pelo fato de que, por volta de 1 988, nos EUA, apenas 66 homens brancos foram listados como "contaminados pela AIDS por via heterossexual" (73). Por volta de 1 992, em Nova Iorque, 11 homens foram listados como portadores de AIDS devido a infecção heterossexual (74).

 

Rodriguez e seus colegas (75)  descobriram que índios amazônicos que não mantiveram contactos com indivíduos de fora de suas tribos e que não têm AIDS têm uma taxa de soropositividade para o WB do HIV de 3,3%-13,3%, na dependência da tribo estudada. Em outro estudo (76), descobriram que 25%-41% dos pacientes venezuelanos de malária manifestaram um WB positivo para o HIV, mas não AIDS. Os dados acima significam, tanto que o HIV não causa a AIDS "mesmo em presença de severos distúrbios imuno-reguladores da malária aguda", como Rodriguez et alii concluíram, ou que os testes de anticorpos para o HIV não são específicos.

 

Os problemas associados com a especificidade do WB poderiam ser evitados pelo uso do único padrão fidedigno apropriado, o isolamento do HIV. Até esta data, isto não foi feito, e com base nos problemas associados ao isolamento do HIV, poderá  nunca ser viável.

 

 

Isolamento do HIV

 

O isolamento de um vírus pode ser usado como padrão fidedigno, apenas se fornecer evidência conclusiva genética, virológica e molecular para a existência de um único vírus. Para os retrovírus, como um primeiro passo na direção deste feito, devem ser encontradas as partículas com características morfológicas similares às de retrovírus, e devem ser demonstradas como possuidoras de um único arranjo de componentes estruturais, incluindo RNA e proteínas que pertençam apenas a estas partículas, e não a outras entidades.

 

 Peyton Rous (77) é reconhecido pela descoberta e isolamento do primeiro retrovírus. Em 1 911, era capaz de induzir tumores repetidamente, numa linhagem especial de galinhas, por meio de material filtrado derivado de tumores, mas livre de células. Rous observou que tanto um "organismo parasitário diminuto", quanto um "estimulante químico", podiam formar a base de suas observações; contudo os seus filtrados indutores de tumor tornaram-se conhecidos como "vírus filtráveis", ou oncovírus. Nos anos cinquenta, em culturas com material extraído de animais, ou em culturas com tecido fresco, especialmente o tumoroso, partículas mais tarde reconhecidas como retrovírus foram prontamente detectadas por microscopia eletrônica (ME). Em 1 970, a enzima de transcriptase reversa (TR), que transcreve o RNA em DNA,  foi descoberta nos oncovírus. Por causa disto, nos anos setenta, os oncovírus tornaram-se conhecidos como retrovírus. Na década anterior, a centrifugação por declive de densidade foi introduzida, para separar e isolar partículas subcelulares, incluindo os vírus. Uma vez que alguns constitutivos celulares foram observados como possuidores da mesma densidade de flutuação que os vírus, quando estes eram isolados de culturas celulares, os melhores resultados podiam ser obtidos com fluidos flutuantes que não se depositavam (supernatant)  e que possuíam alta concentração viral, além de conterem pouco material celular por contaminação. Esta condição foi satisfeita, da melhor maneira, por vírus não citopáticos, e por condições de cultura que mantinham um máximo de viabilidade celular. A maior parte dos retrovírus (as exceções são os assim chamados vírus de imunodeficiência animal) satisfaz as condições acima. Fazendo uso das propriedades retrovirais acima listadas, por repetida suspensão e sedimentação em declives de densidade de sucrose, pôde-se obter, ao nível de densidade de 1,16gm/ml, uma concentração relativamente pura de partículas retrovirais - isto é, obter partículas, separá-las de tudo o mais, e assim isolá-las (78). Nem por isto, como muitos eminentes retrovirologistas declararam, a contaminação da preparação viral com partículas semelhantes a vírus que contêm TR, mas que podiam ser nada além de "fragmentos celulares", alguns muito diminutos de células rompidas, "vesículas membranosas que podem conter outros constitutivos incluindo os ácidos nucléicos", pôde ser evitada, especialmente quando "a lise inadvertida de células" era induzida (79-81). Por este motivo, para provar que o material que se aglomerava a 1,16 gm/ml contivesse nada mais que partículas sem "aparências diferentes em aparições físicas", e que as partículas fossem realmente retrovírus, todas as preparações foram, dali em diante, analisadas através da microscopia eletrônica (ME) para a contagem viral, morfologia e pureza; a atividade da TR, o RNA celular e viral, a proteína total, a análise em gel das proteínas virais e do hospedeiro e ácidos nucléicos, para estabelecer critérios bioquímicos, e eram testados biologicamente para a infectividade in vivo e in vitro (78, 82).

 

Na maior parte das culturas retrovirais, a concentração de partículas é relativamente alta (100 000 - 1 000 000 de unidades infecciosas/ml), porém, em culturas e coculturas primárias de AIDS, a concentração de partículas é tão baixa, que, tanto o grupo de Gallo, quanto o de Montaigner, tiveram dificuldades em detectá-las. Diferentemente dos outros retrovírus animais, o HIV é tido por citopático. Se é assim, logo o material flutuante (supernatant) da cultura de células conterá muitos fragmentos celulares. Além do mais, como foi recentemente proposto, "um único mecanismo singular", a apoptose induzida pelo HIV, pode ser responsabilizado pela morte das células T4 (83), logo o material flutuante também deve conter corpos apoptóticos, isto é, fragmentos celulares envoltos por membrana, que, (como muitos outros retrovírus), emergem da superfície celular. Uma vez que o tamanho e a composição dos corpos apoptóticos variam amplamente ( alguns contêm cromatina picnótica) (84), pode-se esperar que alguns destes fragmentos também venham a se aglomerar a 1,16gm/ml. É significativo que as culturas e coculturas de AIDS não tenham um máximo de viabilidade (maximum viability), e a maior parte, senão todas as declarações de "isolamento do HIV" foram realizadas, a partir de material proveniente de lise celular. O que é mais importante, uma pesquisa extensiva na literatura sobre AIDS revelou que não há imagens de microscopia eletrônica do material que se aglomera a 1,16gm/ml. Todas as imagens por ME são de partículas encontradas em culturas celulares. Desta forma, é impossível saber se o material que se aglomera a 1,16gm/ml (as "partículas de HIV puras") contém quaisquer partículas, e se tais partículas estão presentes, o que vem a ser sua pureza.

 

A evidência disponível, de fato, indica que apenas aproximadamente 20% das proteínas que se aglomeram a 1,16gm/ml são "proteínas do HIV", o resto é celular, inclusive a microglobulina beta-2 e as proteínas HLA-DR (4,4%) (12, 85). Assim, mesmo que as partículas estejam presentes a 1,16gm/ml, e que todas as proteínas tidas por serem do HIV sejam realmente incorporadas pela partícula do HIV, o material que se aglomera a 1,16gm/ml não pode ser considerado "HIV puro". Reciprocamente, "a maior parte das proteínas virais secretadas das células infectadas pelo HIV não é  exclusiva, e a proporção (por exemplo) de p24 em vírions é uma função do genótipo viral e da idade da cultura. Em casos extremos, menos que 1% do total de p24 e de gp120 presentes [em cultura] estão nos vírions" (86). De fato, a p24 é liberada de "células infectadas independentemente das partículas virais infecciosas" e TR (87, 88).

 

Deve ser dito que os termos da literatura sobre AIDS, tais como "HIV", "isolamento do HIV", "partículas puras", "partículas virais", "vírions", e "partículas infecciosas", têm uma variedade de significados e incluem todos os seguintes, mas frequentemente sem a prova da presença de uma partícula: "RNA envolvido por proteína" (89),  material de elementos flutuantes em cultura de células que passam através de filtros cerrados celulares, mas que, através dos mesmos, organismos, tais como micoplasmas, também podem passar (90), a pelota obtida por ultracentrifugação simples de material flutuante em cultura (91), e, nos últimos tempos, mais frequentemente, a detecção, em culturas de AIDS, de p24 (92, 93).

 

 Na primeira declaração de "isolamento do HIV", o grupo de Montaigner detectou, em cultura mitogeneticamente estimulada e derivada da biópsia de nódulo linfático de um homem homossexual com linfodenopatia, uma "transitória", "atividade de transcriptase reversa".   Em linfócitos de cordão umbilical estimulados mitogeneticamente cultivados com material flutuante das culturas acima, relataram a presença de partículas retrovirais (PRV) nas culturas, e TR e antígenos que reagiam com soro de pré-AIDS no material que se aglomera a 1,16gm/ml (4). O grupo de Gallo não considerou a detecção acima como representativa de "verdadeiro isolamento", "... o vírus não foi transmitido a uma linha de células em permanente desenvolvimento para isolamento verdadeiro e, em consequência, tornou-se difícil a obtenção em quantidade" (94). Mas, embora o grupo de Gallo usasse uma linha permanente de células para o "isolamento do HIV",  não relatou nada além dos mesmos fenômenos relatados pelo grupo de Montaigner. Não obstante, no momento presente, a detecção dos fenômenos acima é considerada "isolamento verdadeiro", e a sua verificação em cultura similar é encarada como prova de infectividade. Isolamento, no entanto, é definido como separação do vírus de todos os outros materiais, e não a detecção de alguns fenômenos atribuídos a ele (TR, reações de antígenos com anticorpos [WB]), ou similares a isto (partículas). Tais fenômenos podem ser utilizados apenas para detecção viral, e, mesmo assim, se, e somente se, tiverem provado serem específicos para o vírus.

 

Transcriptase reversa. Em toda a pesquisa sobre o HIV, a cópia do modelo primordial (template-primer) An.dT15, quando em incubação com material flutuante, ou com material que se aglomera a 1,16gm/ml de culturas e coculturas de AIDS, é considerada prova de atividade de transcriptase reversa do HIV. Em muitos exemplos, esta atividade é considerada sinônimo de "isolamento de HIV" e é usada, para quantificar o vírus. Entretanto o mesmo modelo primordial também é copiado, quando em incubação com material que se aglomera a 1,16gm/ml de culturas com células T leucêmicas (95), e com espermatozóides normais não infectados (96).  Ambos, AndT15 e Cn.dG15, são copiados por material que se aglomera a 1,16gm/ml, originado de linfócitos normais não infectados estimulados mitogeneticamente (95, 97), e AndT15 é copiado não apenas pela TR, mas também por duas das três polimerases de DNA celular (beta e gama). De fato, em 1 975, a Conferência Internacional sobre Polimerases de DNA Eucariótico definiu a polimerase gama do DNA, como a enzima celular que "copia AndT15 com alta eficiência, mas não copia bem o DNA " (98).  Por isto, a cópia do modelo primordial AndT15 não pode ser considerada sinônimo da presença de TR do HIV.

 

Detecção de partícula. Retrovírus são partículas infecciosas encapsuladas de aproximadamente 100 - 120nM de diâmetro com núcleo que compreende uma concha protéica e um complexo ribonucleoprotéico (ribonucleoprotein). São classificados em três subfamílias - Spumavirinae, Lentivirinae e Oncovirinae. Os retrovírus pertencentes a esta última são divididos em partículas de tipo A, B, C e D. Não obstante, alguns dos mais conhecidos retrovirologistas não consideram a descoberta de retrovírus "que se pareçam com partículas virais morfológica e bioquimicamente" como prova de existência de tais retrovírus (99). Nos anos setenta, estas partículas foram frequentemente observadas em tecidos com leucemia humana [99], em culturas de tecidos embrionários [100, 101], e "na maioria, senão em todas as placentas humanas" (102).

 

As partículas detectadas em culturas e coculturas de AIDS são consideradas por todos os pesquisadores da doença, como sendo o HIV. Não há, no entanto, concordância sobre a que  gênero, ou mesmo a que subfamília de retrovírus elas pertençam.  Às vezes, a discordância se encontra num mesmo laboratório. Por exemplo, o grupo de Montaigner inicialmente classificava o HIV como um oncovírus de tipo C (4), então, posteriormente, como do tipo D (104), e, em seguida, como pertencente a uma diferente subfamília de retrovírus - Lentivirinae (106). Além disto, as "partículas de HIV" diferem, em monócitos,  do oncovírus de tipo C e de lentivírus (106).

 

Gelderblom et alii expuseram um modelo de HIV (fig. 4), que tem uma morfologia e composição bem definidas, incluindo as espículas de superfície constituídas de gp120, proteína esta que desempenha um papel considerado crucial na citopatogênese e que é indispensável para a infectividade do HIV (107). O modelo tem sido aceito e é bem conhecido. No entanto o mesmo grupo, ao fazer uso de ME e eletromicroscopia imune, demonstrou que tais espículas só estão presentes em partículas imaturas (emergentes), que são "muito raramente observadas" e vistas apenas "em células metabolicamente enfraquecidas" (2, 108), e que as partículas maduras são "dificilmente testáveis, senão de forma alguma" por soro de AIDS e ARC. Partículas imaturas são "altamente testáveis", mas também o é o resto da célula donde emergem, o que "podia ser devido ao fato de que o soro imune natural é, realmente, multiespecífico" (2, 109), e, assim como o soro, os anticorpos para a gp120 reagem, preferencialmente, com partículas imaturas (107). AcMs contra proteínas gag testam as partículas maduras, mas também testam as partículas do HIV-II e do vírus de síndrome de imunodeficiência símia (110). Nas partículas de HIV, incluindo sua membrana, eles (111) (assim como outros, 112) detectaram muitas proteínas celulares, mas, com a exceção possível dos "corpos laterais", estas proteínas não são incluídas no modelo idealizado do HIV.

 

"Culturas infectadas pelo HIV" de células T e de monócitos contêm, em adição às partículas com morfologias atribuídas ao HIV, muitas outras "partículas virais" diferentes de qualquer uma das "partículas de HIV" (106, 111, 113, 114). Células H9 não infectadas pelo HIV, das quais a maior parte das imagens de eletromicroscopia se originaram, assim como outras células usadas para "isolamento do HIV", CEM, C8166, células B transformadas por EBV (EBV transformed B-cells, EBV = vírus de Epstein-Barr), e linfócitos do sangue de cordão umbilical, expressam  partículas emergentes semelhantes a vírus, ainda que sejam algo diferentes das partículas aceitas como HIV (115). Os dados acima levantam questões concernentes à origem e ao papel das "partículas que não são HIV" e das "partículas de HIV", e questões como a qual dos dois tipos pertencem as que se depositam a 1,16gm/ml. Partículas emergentes e maduras do tipo C aparecem em células de linfoma metabolicamente debilitadas, mas não infectadas pelo HIV (116), e "partículas retrovirais" antigeneticamente (antigenically) relacionadas ao HIV foram encontradas em culturas com extratos de glândulas salivares de pacientes com síndrome de Sjörgen (117).

A descoberta independente de partículas "semelhantes a vírus" nos nódulos linfáticos de pacientes de AIDS com linfodenopatia (118) e de proteínas nos nódulos que reagiam, com AcMs, à p55, p24 e p18 (119), foi interpretada como prova de que as "partículas semelhantes a vírus" fossem HIV. No entanto AcMs para a p18 reagem com tecidos linfáticos de pacientes que sofrem com um número de doenças não relacionadas com a AIDS, e também de indivíduos sadios (20, 21). Em nódulos linfáticos de pacientes com linfodenopatia generalizada e persistente relacionada à AIDS, além das "partículas de HIV", outras partículas diferentes do HIV foram também encontradas (120), e, como o mais importante, no único estudo de eletromicroscopia (121),  tanto in vivo, quanto in vitro, nos quais controles adequados foram usados e nos quais extensivo exame cego (extensive blind examination) dos controles e do material de testagem foi realizado, partículas de vírus indistinguíveis do HIV foram encontradas numa variedade de linfodenopatias reativas não associadas ao HIV, o que levou os autores a concluir: "A presença de tais partículas não indica, apenas por elas, a infecção pelo HIV".

Comentários sobre o "isolamento". A cepa celular mais frequentemente usada na pesquisa de AIDS é a cepa de célula leucêmica H9. Esta é um clone de HUT78, que se derivou de um paciente com leucemia adulta da célula T. Uma vez que o HTLV-I, outro vírus exógeno, é tido por agente causativo desta leucemia, as culturas de H9 devem conter TR e partículas retrovirais, mesmo na ausência do HIV. Devido ao fato de aproximadamente 25% dos pacientes de AIDS terem anticorpos para o HTLV-I (51), aproximadamente 25% das culturas devem ter, em adição às partículas e TR, um WB positivo para o HTLV-I. No entanto, uma vez que todas as proteínas do HIV e do HTLV-I comungam do mesmo peso molecular, as faixas do WB do HTLV-I aparecerão positivas para o HIV.

Um problema mais direto associado ao uso do "isolamento do HIV", como padrão fidedigno, é o fato de que, sem embargo de todos os fenômenos aceitos pelos pesquisadores da AIDS como representantes do "isolamento do HIV", e apesar do fato de que esforços não tenham sido poupados, não seja possível "isolar o HIV" de todos os pacientes soropositivos para os anticorpos. A taxa de sucesso varia entre 17% a 80% (92, 93, 123). Por outro lado, quando o mesmo esforço é feito, o HIV pode ser isolado de alguns pacientes soronegativos sem AIDS e de indivíduos soronegativos sem AIDS e sem risco de desenvolverem a doença (124, 125). Com um método mais recente usado para "isolamento do HIV", a detecção de p24 em culturas de sangue total não fracionado (126,127), resultados positivos foram anunciados em 49/60 (82%) de indivíduos "presumivelmente não infectados, mas sorologicamente indeterminados" e em 5/5 de "doadores  soronegativos de sangue" (128).

 

Até 1 988, os pesquisadores do CDC nos EUA haviam decidido sobre a não existência de correlação entre o "isolamento do HIV" e um teste positivo de anticorpos (o que eles chamam de infecção documentada), e, como mais importante, entre o "isolamento do HIV" in vitro e sua presença in vivo - "a correlação entre estes dois métodos é limitada; são inconsistentes no que toca ao fato de que o vírus não pode ser detectado em todas as pessoas com uma infecção documentada. Além do mais, a técnica de cultura determina a habilidade de as células produzirem vírus in vitro, mas não indica necessariamente o status da expressão do vírus  in vivo" (129). 

 

 

Investigações sobre o genoma

 

Nas décadas que se seguiram às experiências iniciais de Rous, ele, assim como outros pesquisadores, realizaram investigações similares em diversas espécies animais. Ainda que a neoplasia pudesse ser induzida por injeção de material filtrado de tecidos tumorosos, (retrovírus infecciosos, retrovírus exógenos) nenhuma evidência epidemiológica existia, para sugerir uma origem infecciosa do câncer.  Em 1 939, Andrews "especulava sobre a possível ativação de partículas infecciosas virais e latentes em tecidos cancerosos", e, em 1 948, Darlington postulou "que tais vírus [endógenos] podiam surgir, a partir de elementos genéticos celulares que ele chamou de provírus" (80). Nos anos cinquenta e sessenta, a seguinte evidência experimental foi considerada prova da evidência proviral. Animais sadios nos quais nenhum vírus completo pôde ser detectado possuíam antígenos virais similares àqueles dos vírus exógenos, e os genomas do DNA ou genomas parciais de vírus exógenos  infecciosos foram encontrados integrados aos genomas das células normais que não produziam vírus, no entanto. "Prova conclusiva veio com o isolamento de vírus infecciosos de células não infectadas.". Células sadias que não produziam vírus, quando cultivadas, foram flagradas, ao produzirem vírus espontaneamente (80). Sua aparição e produção podiam ser aumentadas um milhão de vezes por estimulação mitogenética (130), técnicas de cocultura (131), e cultura de células com o material flutuante não depositado (supernatant) de culturas que não produziam vírus (132). (Nota: para o isolamento do HIV, estimulação mitogenética é uma exigência imprescindível, e, na maior parte dos casos, todas as técnicas acima são empregadas).

 

É geralmente aceito que "um dos traços mais marcantes que distinguem os retrovírus de todos os outros vírus animais é a presença, nos cromossomas de células normais não infectadas, de genomas estreitamente relacionados, ou idênticos, aos dos vírus infecciosos" (80).

 

Na dependência das condições, o genoma proviral permanece inexprimido, ou parte, ou o todo, pode ser exprimido. A última possibilidade pode, ou não, levar à congregação das partículas virais (retrovírus endógenos) (80). Em outras palavras, a descoberta de antígenos do genoma viral e dos anticorpos para eles não é prova da presença de partículas infecciosas. Apesar de a maior parte dos dados acima ser proveniente de experimentos com animais, "O genoma humano carrega sequências de DNA relacionadas a genomas endógenos retrovirais, que são subdivididos em famílias de acordo com a homologia (homology) da sequência. Algumas estão presentes apenas em poucas cópias, enquanto outras estão presentes em centenas, ou milhares delas" (133). Dados de animais também demonstram que novos retrovírus podem surgir da mistura fenotípica, assim como da recombinação genética e destruição (deletion). Quando uma célula contém dois provírus, a progenia (progeny) pode ser desvelada como possuidora do genoma de um, mas as proteínas estruturais do outro, ou de ambos os vírus presentes. Reciprocamente, o RNA pode ser viral, mas com, no mínimo, algumas proteínas  celulares. Em outros exemplos, as partículas não têm nenhum genoma, ou há a falta de um, ou de mais genes (vírus geneticamente defectivos). A mistura genética pode ser entre genomas virais, ou entre genes virais e celulares ( 80, 134), e novos genomas retrovirais podem surgir por rearranjo de DNA celular causado por muitos fatores, incluindo fatores patogênicos (135, 136), uma visão que propõe os retrovírus como efeito, e não como causa da doença. O tempo e aparição do genoma viral "pode ser milhões de anos em células de linha germinativa (germ-line) e dias em células somáticas" (136). Além disto, uma vez que o ciclo replicativo retroviral "envolve três passos distintos: transcripção reversa, polimerização do DNA, e a síntese de RNA, a partir de modelo de DNA (transcripção), e os erros cometidos pela enzima de polimerização, durante o primeiro e o terceiro passos, não sejam submetidos à leitura de prova (proof reading), o resultado apresenta pronunciada variabilidade de sequência" (137). Por isto, logo em 1 973, concluiu-se que os fenômenos acima "vão erigir um obstáculo perturbador a qualquer análise genética de vírus tumorosos com RNA" (138) (vírus tumorosos com RNA=retrovírus). Os dados sobre o genoma do HIV não alteraram a previsão acima e demonstram que muitos problemas podem existir com o uso de estudos sobre genomas em esforços, para provar a infecção em pacientes de AIDS com um único retrovírus exógeno, o HIV. Alguns destes problemas podem ser resumidos, como se segue:

 

Não há dois genomas de HIV iguais. Jamais dois HIVs idênticos foram isolados de uma mesma pessoa. Num caso, em que dois isolamentos sequenciais foram feitos separados por 16 meses um do outro, nenhum dos provírus isolados no primeiro foi encontrado no segundo (139), o que levou um pesquisador do HIV a concluir que "dos dados, decorre que não exista uma tal coisa, como o isolamento [do vírus da AIDS]" (143). Da mesma pessoa, num momento dado, mais de um tipo de  HIV pode ser isolado (141, 142). Muitos, senão todos os provírus detectados in vivo e in vitro são defectivos (143). No mesmo paciente, os dados do genoma nos monócitos diferem daqueles nos linfócitos T (144). Os dados genéticos obtidos in vitro não admitem correlação com os obtidos in vivo (145). "Fazer culturas é perturbar-se". O tipo de vírus isolado é determinado pelos tipos de células usados para o isolamento do HIV (142, 146).

 

As sequências de HIV não podem ser encontradas em todos os pacientes de AIDS. Gallo e seus colegas, resumindo os primeiros estudos de hibridização com tecido fresco, concluíram: "Anteriormente, pudemos isolar o HTLV-III de sangue periférico, ou de tecido nodular linfático da maior parte dos pacientes com AIDS, ou ARC" (Gallo referia-se a aproximadamente 50% dos pacientes). "Contudo, conforme demonstrado em anexo, o DNA do HTLV-III normalmente não é detectado pelo padrão de hibridização do Southern Blotting destes mesmos tecidos e, quando é, as faixas são frequentemente indistintas...o intumescimento do nódulo linfático comumente encontrado em pacientes de ARC e AIDS não pode ser atribuído diretamente à proliferação de células infectadas pelo HTLV-III... a ausência de sequências detectáveis de HTLV-III em tecido de sarcoma de Kaposi de pacientes de AIDS sugere que este tumor não seja diretamente induzido pela infecção de cada célula tumorosa pelo HTLV-III...a observação de que as sequências de HTLV-III sejam encontradas raramente, ou até mesmo nunca, em células mononucleares de sangue periférico, medula óssea, e baço, fornece a primeira evidência direta de que estes tecidos não são infectados intensa, nem amplamente, pelo HTLV-III, nem em AIDS, nem em ARC " (147). Estes estudos foram confirmados por muitos outros pesquisadores.

 

Para fornecer a detecção, o método de reação em cadeia de polimerase (PCR) foi introduzido. No entanto "um traço marcante dos resultados obtidos" com este método, assim como com o padrão da técnica de hibridização, "é a carência ou aparente falta de DNA viral numa proporção de pacientes" (148) e, quando o DNA ou RNA virais são encontrados, o "sinal" é muito baixo.  Por exemplo, o HIV é considerado ser transmitido primariamente por relacionamento sexual, ainda que, com o PCR, o "genoma do HIV" possa ser detectado numa minoria de amostras de sêmen (1/25)" (149). Deve ser dito que um PCR positivo não pode ser encarado como significado de um genoma completo de HIV. Com o PCR, "apenas pequenas regiões podem ser amplificadas, um gene, na melhor das hipóteses" (143). Uma vez que não se detecta o genoma viral inteiro, e, uma vez que a maior parte dos vírus HIV isolados  é defectiva, a detecção de parte, ou de um gene inteiro, ou mesmo de vários genes, não pode ser considerada idêntica ao genoma inteiro do HIV. Além do mais o PCR não é padronizado, e, até hoje, há apenas um estudo no qual a reprodutibilidade, a sensitividade e especificidade do PCR foram examinadas. Neste estudo, o padrão fidedigno (gold standart) usado foi o status sorológico. A especificidade foi determinada pela medida da percentagem dos resultados de PCR negativos em indivíduos soronegativos (ELISA), sadios e de baixo risco (doadores de sangue). Verificou-se que o PCR não é reproduzível e "resultados falsamente positivos e falsamente negativos foram observados em todos os laboratórios (a concordância com a sorologia variava de 40% a 100%). Além disto, o número de  resultados positivos para o PCR não é significativamente diferente entre soronegativos de alto e de baixo risco" (150).

 

Os resultados positivos de hibridização podem não ser específicos para o HIV. Em      1 984, quando Gallo e seus associados fizeram seus primeiros estudos sobre hibridização, descobriram que, quando os resultados eram positivos, as faixas de hibridização eram "indistintas", "com baixo sinal". O  "baixo sinal" foi interpretado como prova de que os indivíduos infectados pelo HIV contêm o provírus em poucas células mononucleares de sangue periférico, a baixos níveis de número de cópias. Contudo, de acordo com Gallo e seus associados, "teoricamente, esta intensidade do baixo sinal podia também ser explicada pela presença de um vírus distantemente homólogo ao HTLV-III nessas células" (147).

 

Os dados que vêm à luz desde então sugerem que esta possibilidade teórica possa ser um fato. (1) Ainda que não se aceite mais que o HIV seja transmitido por insetos, em 1 986, os pesquisadores do Instituto Pasteur descobriram sequências de DNA do HIV em moscas tsé-tsé, em escaravelhos negros e em leões na República Centro-Africana (151). (2) Em      1 984, o grupo de Gallo relatou que o genoma do HIV se hibridiza com os "genes estruturais (gag, pol e env) tanto do HTLV-I, quanto do HTLV-II" (152). A evidência atualmente disponível demonstra que o DNA humano normal contém sequências de genoma  retroviral relacionadas ao HTLV-I e HTLV-II (153, 154). (3) Em 1 985, Weiss e seus colegas anunciaram o isolamento, a partir de culturas de células T estimuladas mitogeneticamente de dois pacientes de hipogamaglobulinemia com variável comum, de um retrovírus "que era claramente aproximado ao HTLV-III/LAV"; a evidência incluía um WB positivo com soro de AIDS e hibridização com provas do HIV (155). (4) O DNA extraído da glândula tireóide de pacientes da doença de Grave hibridiza com "a região inteira que codifica a proteína p24 do gene gag" do HIV (156). (5) Horowitz et alii "descrevem a primeira declaração da presença de sequências de nucleotídeos relacionadas ao HIV-I em DNAs humanos, de chimpanzé e do macaco Rhesus, provenientes de indivíduos normais e não infectados". Demonstraram "a presença de uma complexa família de sequências relacionadas ao HIV-I" nas espécies acima e concluíram que "Análises ulteriores dos membros desta família auxiliarão a determinar se tais sequências endógenas contribuíram para a evolução do HIV-I devido a eventos de recombinação, ou se estes elementos, tanto diretamente, quanto por meio de produtos protéicos, influenciam a patogênese do HIV" (157).

 

Que os sinais de hibridização positiva possam ser devidos a eventos induzidos por agentes oxidativos (mutágenos e mitógenos) para os quais os grupos de risco de AIDS e as culturas são expostos, sugere-se pelo seguinte: um PCR positivo reverte a negativo, quando a exposição a fatores de risco é interrompida (158, 159), e os monócitos de pacientes soropositivos para o HIV nos quais o DNA do HIV não pode ser detectado, mesmo através do PCR, tornam-se positivos para o RNA do HIV, após cocultivo com células T normais ConA-ativadas (normal ConA-activated T-cells) (160).

 

Em 1 989, e de novo em 1 992, pesquisadores do Instituto Pasteur concluíram que "a tarefa de definir a infecção pelo HIV, em termos moleculares, será difícil" (145, 161). Concordamos e, baseados nos argumentos e dados revistos aqui, concluímos, além disto, que o uso de testes de anticorpos do HIV, como instrumento epidemiológico, predictivo e de diagnóstico, precisa ser cuidadosamente reavaliado.   

 

 

 

In: Bio/Technology.  Junho de 1 993, pp. 696-707, vol. 11.

Traduzido do inglês para o português por Caio Benevolo.

 

 

Legenda para as ilustrações (disponíveis apenas no original em inglês):

 

P. 697. Figura 1. (A) "Linfócitos T de sangue de cordão umbilical infectados com o vírus" (HIV-I) foram rompidos e o material flutuante (supernatant) da centrifugação a 10 000g dos fragmentos celulares foram imunoprecipitados com soros de pacientes com linfodenopatia (P); um doador sadio (h); anti-soro de cabra para a p24 do HTLV-I (G); soro normal de cabra (g). (B) Da mesma que em (A), porém, ao invés de células infectadas pelo HIV-I, aqui infectadas pelo HTLV-I. (C) Material flutuante sem células de culturas "de linfócitos T de sangue de cordão umbilical infectados pelo vírus" (HIV-I) foi ultracentrifugado por 1 hora a 50 000rev/min. A pelota aglomerou-se em declive de densidade de sucrose. O material que se aglomerou a 1,16gm/ml (o vírus completo) foi imuneprecipitado com os soros acima, mas, ao invés de soro normal de cabra, foi utilizado soro de outro doador sadio (h). Ainda que, nas tiras publicadas, seja difícil, senão impossível, distinguir quaisquer faixas, no texto (4), afirma-se que "as 3 proteínas mais importantes puderam ser vistas: a proteína p25, e a proteínas com peso molecular de 80 000 e de 45 000" (Do item 4 da bibliografia, com permissão).

 

P. 698. Figura 2. (A) Células do clone H4 de "fragmentos celulares de um produtor de HTLV-III", derivadas da linhagem de células HUT78 imunoprecipitadas com diversos tipos de soro. (B) Células do clone H17 de "fragmentos celulares do produtor de HTLV-III" também derivadas da linhagem celular HUT78, imunoprecipitadas com diversos tipo de soro; [o soro na raia 2 de (B) é idêntico ao da raia 4 de (A)]. (C)Fragmentos dos clones H17 e H14  "antes" (b) e "depois da infecção" (a), imunoprecipitados com soro de um heterossexual masculino usuário de drogas com linfodenopatia e trombocitopenia (pré-AIDS). Este é o mesmo soro que na raia 5 de (B). (D) "Fragmentos de células H4 infectadas pelo HTLV-III" (C), ou "vírus purificado de fluidos de culturas celulares", (V), fazendo uso de (I) o mesmo soro que na raia 5 de (B); (II) soro de paciente com pré-AIDS; (III) soro de um paciente com AIDS. Este é o mesmo soro que na raia 4 de (B). Fonte dos soros: (A) paciente de AIDS; (P) Paciente de pré-AIDS; (h) controle sadio; (U) usuário de drogas; (H) controle homossexual (Do item 5 da bibliiografia, com permissão).

 

P. 701. Figura 3. WB de uma e a mesma espécimen de soro testada por 19 laboratórios (Do item 25 da biblioggrafia, com permissão).

 

P. 702. Figura 4. Modelo estrutural do HIV (Do item 107 da bibliografia, com permissão).

 

  

      



[1] Os números nesta forma referem-se à listagem da bibliografia no original em inglês (161 itens). Somente lá serão acessíveis.